A memória é
um elemento importante na experiência da fé, uma memória que muitas vezes
remete às origens daqueles que iniciaram a jornada. Na história do
cristianismo, as catacumbas foram um lugar de grande importância nos primeiros
séculos, naquela Roma em que ser cristão não era fácil, pois representava um
modo de vida totalmente contrário ao que a sociedade dominante tentava impor.
As catacumbas um sinal de compromisso
Na história
recente, as Catacumbas de Santa Domitilla se tornaram um ponto de referência.
Primeiro, em 16 de novembro de 1965, quando, poucos dias antes do encerramento
do Concílio Vaticano II, um grupo de bispos assinou o Pacto das Catacumbas.
Mais de 50 anos depois, em 20 de outubro de 2019, em meio ao Sínodo para a
Amazônia, alguns dos Padres Sinodais e muitos outros homens e mulheres que os
acompanharam renovaram um Pacto que agora se concentrava no cuidado da Casa
Comum.
No Pacto de
1965 estava presente Enrique Angelelli, o bispo argentino mártir, hoje beato,
que foi assassinado por assumir o que havia assinado, por tornar realidade uma
Igreja pobre e viver de maneira pobre. Em 2019, a Eucaristia anterior à
assinatura foi presidida pelo Cardeal Claudio Hummes, que dedicou os últimos
anos de sua vida ao cuidado da Amazônia e de seus povos. Quatro anos e um dia
depois, um novo encontro nas Catacumbas de Santa Domitila relembrou as
experiências de 1965 e do Beato Angelelli, e trouxe de volta à memória de
alguns de nós, que estávamos presentes em 2019, o que vivenciamos naquela data
significativa.
Francisco, Angelelli, Hummes e Maradiaga
Nesta
ocasião, a presidência coube ao cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga. É
interessante observar essas três figuras e sua influência sobre o Papa
Francisco. Em relação a Angelelli, a quem ele beatificou, sempre demonstrou
grande respeito e admiração por seu compromisso e proximidade com o povo.
Quanto a Hummes, pode-se dizer que ele é parcialmente responsável pelo nome de
Francisco com sua frase agora famosa: "Não se esqueça dos pobres". No
caso de Maradiaga, que participou do Pacto de 2019, ele tem sido um dos
cardeais mais relevantes do atual pontificado.
Junto com o
cardeal hondurenho, na celebração se fizeram presentes Dom Dante Braida, atual
bispo de La Rioja, diocese de Angelelli, e Dom Shane Mackinlay, bispo de
Sandhurst (Austrália), juntamente com alguns dos membros da Assembleia Sinodal,
entre eles a Ir. Nathalie Becquart, subsecretária do Sínodo, foi uma
oportunidade para lembrar Pepe Palacio, cujo centenário de nascimento está
sendo celebrado este ano, e sua esposa Amalia, apresentados junto com o bispo
mártir como modelos de sinodalidade. Entre os presentes estava também Emilce Cuda,
secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina.
Uma diocese à imagem do Vaticano II
Dom Dante
Braida apresentou uma visão geral da figura de Angelelli, destacando sua
sensibilidade para com o mundo dos pobres, que se manifestou sobretudo no acompanhamento
dos trabalhadores, buscando unir o mundo universitário com o mundo dos
trabalhadores. Dom Angelelli assumiu a diocese de La Rioja depois de ter vivido
com grande intensidade o Concílio Vaticano II e começou a realizar assembleias
onde era importante a presença de todo o povo de Deus, estabelecendo fortes
linhas pastorais a partir de uma perspectiva missionária e da busca da justiça,
onde os leigos viviam sua vocação no mundo, ordenando o que não estava bem e
buscando seu crescimento.
Como lembrou
o atual bispo, seu antecessor promoveu a criação de cooperativas e sindicatos
para exigir um salário justo para os trabalhadores. Em uma província com uma
grande piedade popular, ele procurou conectar isso com a justiça social, com a
construção de um mundo melhor. Em seu trabalho pastoral, ele abriu a Igreja
para uma maior participação, o que trouxe alegria e esperança para muitas
pessoas, especialmente aquelas que se sentiam negligenciadas ou sem um lugar na
Igreja, mas também trouxe resistência, que ele tentou administrar em seu
trabalho pastoral. Tensões internas como consequência da renovação conciliar
que ele se comprometeu a realizar.
O bispo
Braida destacou que, nesse mesmo local onde ocorreu a celebração eucarística, o
Beato Angelelli assumiu o compromisso de que a Igreja deveria se renovar e ser
a casa de todos, buscando incluir aqueles que pensavam diferente. Por sua
maneira de agir, foi identificado com o comunismo e o apoio à guerrilha, e
muitos de seus colaboradores mais próximos foram presos, uma perseguição que se
tornou mais dura com a chegada da ditadura. Ele nunca perdeu sua visão
evangélica, o que o levou a tentar conversar com os detentores do poder,
buscando mudanças. O assassinato de dois religiosos e um leigo foi o prelúdio
de sua morte, destacou o bispo. A beatificação de Angelelli foi "um sinal
de esperança para a Igreja argentina, somos gratos por seu testemunho porque
nele temos uma fonte para beber", concluiu o bispo de La Rioja.
Um compromisso com grande repercussão
O cardeal
Maradiaga, que leu o texto do Pacto das Catacumbas de 1965, lembrou que não
podemos nos esquecer, porque "esquecer seria esquecer todos os mártires e
esquecer aqueles que assumiram esse compromisso aqui no final do Vaticano
II", lembrando Angelelli, Helder Cámara e Eduardo Pironio. Algo que hoje
não parece tão evidente, mas em uma época em que os bispos usavam uma longa
capa e os cardeais usavam arminho, esse compromisso, esse Pacto das Catacumbas,
foi um sinal com grande repercussão, segundo o arcebispo emérito de
Tegucigalpa.
O
importante, de acordo com o cardeal, é lembrar de tantos que derramaram seu
sangue para serem testemunhas de Cristo, algo que continua a se repetir na
Igreja hoje. Daí a importância de lembrar Angelelli, "que derramou seu
sangue por amor a Cristo e aos pobres", que ele vê como a palavra de ordem
a ser seguida. Sem esquecer que Angelelli foi considerado um mártir do
Concílio, o cardeal afirmou que "ainda hoje o Concílio Vaticano II não
entrou em alguns e há outros que o rejeitam". Por isso, concluiu que
"o sangue dos mártires nos lembra que o Espírito Santo não tem retrocesso
na engrenagem, o Espírito Santo sempre nos faz olhar para frente e lembrar de
tomar impulso com o sangue dos mártires".
Lembrando com saudades da catacumba de Domitila.
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