sábado, 21 de outubro de 2023

Nas Catacumbas, Cardeal Maradiaga lembra Angelelli, "que derramou seu sangue por amor a Cristo e aos pobres"


A memória é um elemento importante na experiência da fé, uma memória que muitas vezes remete às origens daqueles que iniciaram a jornada. Na história do cristianismo, as catacumbas foram um lugar de grande importância nos primeiros séculos, naquela Roma em que ser cristão não era fácil, pois representava um modo de vida totalmente contrário ao que a sociedade dominante tentava impor.

As catacumbas um sinal de compromisso

Na história recente, as Catacumbas de Santa Domitilla se tornaram um ponto de referência. Primeiro, em 16 de novembro de 1965, quando, poucos dias antes do encerramento do Concílio Vaticano II, um grupo de bispos assinou o Pacto das Catacumbas. Mais de 50 anos depois, em 20 de outubro de 2019, em meio ao Sínodo para a Amazônia, alguns dos Padres Sinodais e muitos outros homens e mulheres que os acompanharam renovaram um Pacto que agora se concentrava no cuidado da Casa Comum.

No Pacto de 1965 estava presente Enrique Angelelli, o bispo argentino mártir, hoje beato, que foi assassinado por assumir o que havia assinado, por tornar realidade uma Igreja pobre e viver de maneira pobre. Em 2019, a Eucaristia anterior à assinatura foi presidida pelo Cardeal Claudio Hummes, que dedicou os últimos anos de sua vida ao cuidado da Amazônia e de seus povos. Quatro anos e um dia depois, um novo encontro nas Catacumbas de Santa Domitila relembrou as experiências de 1965 e do Beato Angelelli, e trouxe de volta à memória de alguns de nós, que estávamos presentes em 2019, o que vivenciamos naquela data significativa.



Francisco, Angelelli, Hummes e Maradiaga

Nesta ocasião, a presidência coube ao cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga. É interessante observar essas três figuras e sua influência sobre o Papa Francisco. Em relação a Angelelli, a quem ele beatificou, sempre demonstrou grande respeito e admiração por seu compromisso e proximidade com o povo. Quanto a Hummes, pode-se dizer que ele é parcialmente responsável pelo nome de Francisco com sua frase agora famosa: "Não se esqueça dos pobres". No caso de Maradiaga, que participou do Pacto de 2019, ele tem sido um dos cardeais mais relevantes do atual pontificado.

Junto com o cardeal hondurenho, na celebração se fizeram presentes Dom Dante Braida, atual bispo de La Rioja, diocese de Angelelli, e Dom Shane Mackinlay, bispo de Sandhurst (Austrália), juntamente com alguns dos membros da Assembleia Sinodal, entre eles a Ir. Nathalie Becquart, subsecretária do Sínodo, foi uma oportunidade para lembrar Pepe Palacio, cujo centenário de nascimento está sendo celebrado este ano, e sua esposa Amalia, apresentados junto com o bispo mártir como modelos de sinodalidade. Entre os presentes estava também Emilce Cuda, secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina.

Uma diocese à imagem do Vaticano II

Dom Dante Braida apresentou uma visão geral da figura de Angelelli, destacando sua sensibilidade para com o mundo dos pobres, que se manifestou sobretudo no acompanhamento dos trabalhadores, buscando unir o mundo universitário com o mundo dos trabalhadores. Dom Angelelli assumiu a diocese de La Rioja depois de ter vivido com grande intensidade o Concílio Vaticano II e começou a realizar assembleias onde era importante a presença de todo o povo de Deus, estabelecendo fortes linhas pastorais a partir de uma perspectiva missionária e da busca da justiça, onde os leigos viviam sua vocação no mundo, ordenando o que não estava bem e buscando seu crescimento.

Como lembrou o atual bispo, seu antecessor promoveu a criação de cooperativas e sindicatos para exigir um salário justo para os trabalhadores. Em uma província com uma grande piedade popular, ele procurou conectar isso com a justiça social, com a construção de um mundo melhor. Em seu trabalho pastoral, ele abriu a Igreja para uma maior participação, o que trouxe alegria e esperança para muitas pessoas, especialmente aquelas que se sentiam negligenciadas ou sem um lugar na Igreja, mas também trouxe resistência, que ele tentou administrar em seu trabalho pastoral. Tensões internas como consequência da renovação conciliar que ele se comprometeu a realizar.

O bispo Braida destacou que, nesse mesmo local onde ocorreu a celebração eucarística, o Beato Angelelli assumiu o compromisso de que a Igreja deveria se renovar e ser a casa de todos, buscando incluir aqueles que pensavam diferente. Por sua maneira de agir, foi identificado com o comunismo e o apoio à guerrilha, e muitos de seus colaboradores mais próximos foram presos, uma perseguição que se tornou mais dura com a chegada da ditadura. Ele nunca perdeu sua visão evangélica, o que o levou a tentar conversar com os detentores do poder, buscando mudanças. O assassinato de dois religiosos e um leigo foi o prelúdio de sua morte, destacou o bispo. A beatificação de Angelelli foi "um sinal de esperança para a Igreja argentina, somos gratos por seu testemunho porque nele temos uma fonte para beber", concluiu o bispo de La Rioja.



Um compromisso com grande repercussão

O cardeal Maradiaga, que leu o texto do Pacto das Catacumbas de 1965, lembrou que não podemos nos esquecer, porque "esquecer seria esquecer todos os mártires e esquecer aqueles que assumiram esse compromisso aqui no final do Vaticano II", lembrando Angelelli, Helder Cámara e Eduardo Pironio. Algo que hoje não parece tão evidente, mas em uma época em que os bispos usavam uma longa capa e os cardeais usavam arminho, esse compromisso, esse Pacto das Catacumbas, foi um sinal com grande repercussão, segundo o arcebispo emérito de Tegucigalpa.

O importante, de acordo com o cardeal, é lembrar de tantos que derramaram seu sangue para serem testemunhas de Cristo, algo que continua a se repetir na Igreja hoje. Daí a importância de lembrar Angelelli, "que derramou seu sangue por amor a Cristo e aos pobres", que ele vê como a palavra de ordem a ser seguida. Sem esquecer que Angelelli foi considerado um mártir do Concílio, o cardeal afirmou que "ainda hoje o Concílio Vaticano II não entrou em alguns e há outros que o rejeitam". Por isso, concluiu que "o sangue dos mártires nos lembra que o Espírito Santo não tem retrocesso na engrenagem, o Espírito Santo sempre nos faz olhar para frente e lembrar de tomar impulso com o sangue dos mártires".



Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

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