domingo, 4 de fevereiro de 2024

Dom Vanthuy é ordenado bispo para “nos ajudar a ser uma Igreja sempre mais acolhedora das culturas”


Boa Vista, sede da diocese de Roraima acolheu neste domingo 4 de fevereiro de 2024 a ordenação episcopal de Mons. Raimundo Vanthuy Neto, bispo eleito da diocese de São Gabriel da Cachoeira, que escolheu como lema: "Servir na Caridade e na Esperança". Uma celebração marcada por uma realidade indígena presente na igreja local e naquela que o Papa Francisco lhe confiou para ser seu pastor, seu bispo. A benção inicial do Povo Macuxi, a primeira leitura e a apresentação do candidato nessa mesma língua, a benção indígena de um padre de São Gabriel da Cachoeira, a continua presença dos povos indigenas de Roraima na celebração, são detalhes que mostram o desejo da Igreja da Amazônia de acolher a riqueza das culturas dos povos da Amazônia.

Na homilia, o cardeal Steiner começou lembrando as palavras de Jesus no Evangelho: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi”, insistindo em que “todos nós fomos escolhidos, buscados, todos nós fomos amados: ‘eu vos amei, como meu Pai me amou’. Fomos desejados, amados com o amor que o Pai amou o seu filho Jesus. No mesmo amor, na mesma intensidade, na mesma afabilidade, fomos e somos amados, amadas. E porque fomos atingidos por um amor inigualável, gratuito, Jesus nos faz um pedido: ‘permanecei no meu amor’”.

Segundo o arcebispo de Manaus, “a realização da nossa vida, a alegria de viver, de saborear a vida vem do amor que recebemos de Jesus. Ele desperta uma alegria plena, realizadora. Um amor que plenifica, cria a verdadeira família, a verdadeira comunidade, a Igreja”, recordando as palavras de Jesus: “amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”. Uma frase que o levou a perguntar: “Como nos amou?”, dando ele mesmo a resposta: “ofertando a sua vida”. Dom Leonardo disse que “como a mãe entrega a sua vida no cuidado materno para que os filhos cresçam e cheguem à maturidade de uma vida plena, muito mais fez Jesus. Nos amou até a morte e morte de cruz.



Um amor que aparece definido no Evangelho: “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos”, afirmando que “é desse amor que vivemos, é nesse amor que nos movemos, é desse amor que nos alimentamos e damos frutos: geramos, educamos, plenificamos vidas”. O cardeal Steiner “esse amor nos escolheu, a esse amor fomos chamados. Esse amor nos encontrou. Nenhuma iniciativa nossa”. Lembrando as palavras de São Bernardo sobre a escolha, o chamado, disse. Isso porque “no amor somos escolhidos, não escolhemos. Nesse amor benevolente somos todos discípulos missionários, todas discípulas missionárias, pois tomados pela dinâmica extraordinária de pertencermos à predileção amorosa de Deus”.

Toda vocação é uma escolha para participar plenamente desse amor. Toda vocação é a possibilidade de permanecer no amor de Jesus e em Jesus viver a graça do Reino. Toda a vocação é um modo de guardar e ser guardado pelo mandamento do amor. É desse amor que toda a vocação e ministério se alimenta e é dinamizado. É no Reino do “amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”, que a alegria é plena e realizativa. Toda a vocação é dar a sua vida em resgate por muitos, por todos os que são e não são amigos e amigas de Jesus, mesmo os inimigos”, refletiu o cardeal de Manaus.

Lembrando a escolha dos Doze para caminhar com Ele e enviá-los a pregar o Reino de Deus, Dom Leonardo Steiner disse que “eles foram as testemunhas da vida, da morte e da ressurreição de Jesus; testemunhas do amor que tudo vivifica e restaura. Nessa missão foram confirmados pelo Espírito Santo, segundo a promessa: ‘Recebereis a força do Espírito Santo que virá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia, Samaria e até os extremos da terra’”. Isso porque “a missão dos apóstolos de anunciar o Evangelho da vida deveria durar até o fim dos séculos (cf Mt 28,20), por isso, os apóstolos constituíram sucessores (LG, 20)”.



A celebração de ordenação episcopal “visibiliza, mais uma vez, a escolha, o chamado, o envio, a frutificação”. Ele lembrou que “a Igreja aqui reunida invocará o Espírito Santo sobre padre Raimundo Vanthuy e com o gesto milenar da imposição das mãos dos bispos, com a oração de ordenação e a unção, ele recebe o múnus episcopal e participa do colégio dos bispos como sucessor dos apóstolos. Ele participará do múnus dos apóstolos de anunciar, bendizer e cuidar do Reino de Deus, da igreja de São Gabriel da Cachoeira”.

Comentando a primeira leitura, o cardeal disse que “o Espírito e a unção enviam para uma presença de caridade, de amor, de esperança! Hoje, após a invocação do Espírito Santo, a imposição das mãos, a oração de ordenação e a unção com o óleo do crisma, padre Vanthuy poderá dizer com o profeta: ‘O espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu’. Vamos impor as mãos na força do Espírito Santo e te ungir, para seres enviado. Enviado para dar a boa-nova aos humildes, curar as feridas da alma e do corpo, pregar a redenção aos cativos no corpo e no espírito; a liberdade aos que estão presos em si mesmos, nas prisões da ganância, da morte, das ideologias; consolar todos os que choram e gemem. Serás enviado para proclamar o tempo da graça, da libertação, da transformação, da salvação, pois levarás na alegria o óleo da caridade e o vinho da esperança (cf. Is 61,1-3ª). Enviado na caridade e na esperança! Não é privilégio, mas uma missão que te é confiada. Enviado para recordar, rememorar, viver na caridade e na esperança”.

“Pelo sacramento da Ordem o bispo recebe o dom da caridade pastoral de Cristo. A caridade pastoral cria a comunhão e desperta para a plenificação da vida segundo o Evangelho. Um modo da caridade é a compaixão, compadecer-se dos frágeis, dos que foram colocados à margem, seja pela cultura, seja pelo sistema econômico. Cuidar das comunidades com amor paterno-materno, sendo bondoso e compassivo com os doentes e todos os necessitados no corpo e no espírito. Com uma vida simples e sóbria, ativa e generosa, estar com os últimos da nossa sociedade e colocá-los ao centro da comunidade cristã. Como bispo deixar-se tomar pela ‘fantasia da caridade’ para encontra modos de acolhimento, de transformação, de inspiração, de proximidade e acolhida”, lembrou o cardeal citando Pastores Gregis, nº 20.



Dom Leonardo Lembrou as palavras de Papa Francisco aos irmãos do Prado onde fala da “fantasia da caridade”, onde lhes convida “a regressar continuamente à magnífica figura do vosso fundador, a meditar sobre a sua vida, a pedir a sua intercessão. A experiência espiritual que ele viveu intensamente - uma compaixão imensa pelos pobres, a compreensão e a partilha dos seus sofrimentos e, ao mesmo tempo, uma contemplação do despojar-se de Cristo que se fez um deles - foi a fonte do seu fervor apostólico (cf. Papa Francisco, 2018). A criatividade, a fantasia da caridade do Bem-aventurado Antônio Chévrier, será também a fantasia do teu ministério episcopal. O teu ministério tenha a força e a dinamicidade de promover, ‘globalizar’ a caridade”.

Globalização onde, segundo o cardeal, “a delicadeza de caridade eleva, ilumina, consola, se inclina, lava os pés da existência. A delicadeza da caridade que olha nos olhos a violência, não teme o poder da dominação, do dinheiro, do poder. Na delicadeza da caridade, o bispo quando ensina, ao mesmo tempo santifica e governa o Povo de Deus; enquanto santifica, também ensina e governa; quando governa, também ensina e santifica”. Ele lembrou que “Santo Agostinho ensina que a totalidade do ministério episcopal é amoris officium, o ‘ofício do amor’”.

Segundo o presidente do Regional Norte1 da CNBB, “o bispo é enviado como esperança! Não somente porque anuncia ao mundo a esperança do Reino, mas porque é presença de esperança no Ressuscitado. Profeta da esperança! Ser profeta, testemunha e servo da esperança. Infundir confiança e proclamar perante quem quer que seja as razões da esperança cristã”, segundo diz a Primeira Carta de Pedro. “Profeta, testemunha e servo da esperança sobretudo nas realidades onde o esquecimento de Deus e o esquecimento dos pobres é palpável, onde os indígenas são violentados. Onde falta a esperança, também a fé é posta em questão. O amor enfraquece, quando o horizonte da esperança desaparece. A esperança que o Ressuscitado trouxe à luz”, enfatizou.



Citando Santo Agostinho, ele disse que a “esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”. O cardeal destacou que “por ser profeta da esperança, o bispo é inquieto, insatisfeito, sonhador, transformador, deixa-se tomar pelo movimento da geração, da transfiguração. A esperança na sua filha indignação, indica o sentido do anúncio e da visibilização do reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça do amor e da paz”, recordando as palavras do Prefácio. Ele insistiu em que “o bispo pode ser tomado de indignação, quando guiado e tomado pela verdade, a justiça e paz. E porque vive do Reino, a coragem o impulsiona a propor, ensinar, refletir, questionar, procurar e indicar o caminho da justiça, da equidade, da fraternidade”.

O bispo é um convite à esperança, pois fala duma realidade que está enraizada no mais fundo do ser humano. Fala duma sede, duma aspiração, dum anseio de plenitude, de vida bem-sucedida, de querer agarrar o que é grande, o que enche o coração e eleva o espírito para coisas grandes, como a verdade, a bondade e a beleza, a justiça e o amor. A esperança desperta ousadia, sabe olhar para além das comodidades pessoais, das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna, atraente e sublime. Caminhe na esperança, o Povo de Deus a ti confiado seja ungido com a esperança, e toda a tua evangelização esteja guiada pela esperança que nasce do Espírito Santo!”, afirmou Dom Leonardo inspirado nas palavras de Papa Francisco.

Ele enfatizou que “a esperança na indignação e na coragem é sonhadora e criativa. Papa Francisco nos diz que devemos ser criativos, inconformados, dinâmicos, sonhadores, corajosos. Na indignação e na coragem inculturar o Evangelho, viver uma espiritualidade inculturada, celebrar a fé, a esperança e caridade nas culturas locais”.

Se dirigindo ao novo bispo, Dom Leonardo lhe disse: “o teu ministério episcopal na diocese mais indígena do Brasil, possa nos ajudar a ser uma Igreja sempre mais acolhedora das culturas. Uma Igreja que tenha sempre mais rostos multiformes que manifestem melhor a riqueza inesgotável do Evangelho na Amazônia. As filhas da esperança, a indignação e a coragem, movimentem os teus e nossos sonhos indicados por Papa Francisco: preservar a riqueza cultural da Amazônia que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana; guardar zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna a casa comum da Amazônia, a vida transbordante que enche os rios e as florestas; evangelizar as comunidades cristãs para que sejam capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos. Uma Igreja na Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos originários, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida (QA, nº 6-7). A esperança de que todos os filhos e filhas de Deus e todas as criaturas participem do Reino definitivo”.



“Realmente são lindas as filhas da esperança, pois nascidas do amor”, disse o cardeal, citando o texto evangélico: “amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos”. Daí a necessidade de “ser impulsionado pela caridade e pela esperança e despertar as comunidades para que vivam da esperança e da caridade”.

O cardeal Steiner chamou a repetir as palavras de Paulo na segunda leitura: “Diante de Deus, nosso Pai, recordamos sem cessar a atuação da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a perseverança da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo. A nossa gratidão à Igreja de Roraima, pelo testemunho de esperança e de caridade. Agradecemos a Deus e à Igreja em Roraima por ofertar à Igreja este irmão que recebe hoje a ordenação episcopal. Sabemos que o Evangelho não chegou até vós somente por meio de palavras, mas também mediante a força do Espírito Santo; e isso, com toda a abundância”, agradecendo a Dom Evaristo Spengler por “enviar para São Gabriel da Cachoeira este irmão que hoje é ordenado bispo da Igreja Católica”.

Igualmente agradeceu a dom Edson Damian, a quem dom Raimundo Vanthuy vai suceder e à Igreja de São Gabriel da Cachoeira “pelo testemunho, por nos provocar a sermos uma Igreja sempre atenta e desperta para a causa dos povos indígenas e os pobres. Louvamos e bendizemos pela diocese de São Gabriel”. Também agradeceu aos pais, à família de Dom Raimundo Vanthuy, “pelo dom da vida e pela fé que lhe deram como alimento e bebida. Deus os abençoe. Irá com a benção a vossa benção”.

Ao novo bispo lhe disse, “na caridade e na esperança caminharemos contigo. Sentirás a presença colegial dos bispos de nosso Regional e a força da oração do teu povo. Não estarás só. Contigo desejamos ser profetas, testemunhas e servos da esperança e da caridade. Estaremos contigo em comunhão”.



Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

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