Muitas
pessoas, movidas pelo preconceito, condenam os migrantes, todos os migrantes. Conhecer
a realidade de onde eles vêm, nos ajuda a entender os motivos que levam essas
pessoas a deixar tudo para trás e se aventurar numa nova vida,
desconhecida, nem sempre fácil. Daí a importância da missão que a Comissão
Episcopal Especial de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), está realizando de 17 a 23 de junho na
diocese de Roraima, com visitas em Bonfim e Lethem, o principal passo
fronteiriço entre a Guiana e o Brasil, e em Pacaraima e Santa Elena de Uairén,
passo fronteiriço entre a Venezuela e o Brasil.
A Igreja do Vicariato do Caroní
Santa Elena
de Uairén é sede do Vicariato Apostólico do Caroní, uma Igreja com rosto
indígena, que desde 1922 acompanha a vida do povo pemón, habitantes da Grande
Sabana, numa tentativa de ser uma Igreja inculturada. Um território de
80 mil quilómetros, com grandes dificuldades de deslocamento, algo que desafia
a ação missionária.
Uma Igreja que
quer caminhar junto com a diocese de Roraima, com objetivos comuns, numa
Igreja sem fronteiras. Aos poucos isso vai se concretizando no trabalho da
Caritas, nas experiências de formação e trabalho pastoral comum. Um caminhar
junto que é motivo de gratidão para o bispo do Vicariato do Caroní, dom Gonzalo
Ontiveros, que insiste na solidariedade da Igreja brasileira com o povo
venezuelano. Uma visita que o bispo vê como experiência de escuta sinodal, que deve
ajudar para avançar em caminhos comuns.
Motivações, dificuldades, pedidos dos migrantes
Segundo uma
pesquisa da Caritas do Vicariato do Caroní, desde 2022 o ingresso de
venezuelanos no Brasil, o 5º país aonde chega mais venezuelanos, tem aumentado.
23% eram migrantes de volta a Venezuela, 22% gente que vai e volta, e 55% por
cento migrantes sem intenção de voltar. 74% por centos dos migrantes são
mulheres. Entre as motivações está a reunificação familiar, a falta de emprego
e os salários muito baixos na Venezuela, falta de serviços médicos e
medicamentos. Entre as dificuldades no caminho, os migrantes sofrem com a falta
de água potável, falta de lugares para banho e hospedagem, falta de dinheiro,
falta de documentação para ingressar em outro país. Eles pedem alimentos, muitos
não sabiam se iriam comer no outro dia, dinheiro para o dia a dia, serviço de
saúde.
Como
alternativas para resolver as dificuldades, é pedido pelas pessoas em trânsito,
mais pontos de informação sobre os requisitos para sair do país, pontos de acompanhamento
socioemocional, espaços de higiene adequados e para adquirir água potável. Poucas
pessoas relatam situações de tráfico de pessoas, mas também é certo que nem
sempre se tem a possibilidade de uma conversa mais pausada. Mesmo assim, são
relatadas situações que sofrem os migrantes, especialmente cubanos, vítimas
das máfias. Uma realidade que também atinge às comunidades indígenas,
segundo relatam as lideranças indígenas locais, que destacam a falta de saúde
como a causa principal de migração dos indígenas.
O trabalho da Comissão de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da CNBB
Diante
dessa realidade, foram lembradas as palavras do Papa Francisco: “se nós queremos
cooperar com nosso Pai celestial na construção do futuro, façamo-lo junto com
nossos irmãos e irmãs migrantes e refugiados. Construamo-lo juntos!”. São
desafios enfrentados pela Comissão de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da
CNBB, segundo o bispo de Tubarão e presidente da comissão, dom Adilson Busin,
que destacou o trabalho em comum que está sendo realizado.
A migração
é um fenómeno mundial, o que tem ampliado as rotas migratórias, segundo a
professora da Universidade Federal de Roraima, Márcia de Oliveira, que faz
parte de um grupo de estudo que tem descoberto a exploração que sofrem os
migrantes, vítimas de redes organizadas criminosas, nos traslados, relatando situações
vividas pelos migrantes, principalmente mulheres, inclusive menores, que não
são denunciadas, diante das ameaças que sofrem e o medo que isso provoca. Dificuldades
que os migrantes continuam sofrendo já no Brasil, nos traslados internos, com
situações de trabalho análogo à escravidão, com grupos especializados na exploração
dos migrantes. Diante disso, a professora faz um chamado a ficar atentos e
denunciar esse tipo de situações de exploração e tráfico de pessoas.
O trabalho
pastoral da comissão para o tráfico de pessoas, segundo a Ir. Eurides Alves de
Oliveira, leva a refletir sobre o trabalho de evangelização e promoção humana,
como apelo do Evangelho na defesa da vida dos vulneráveis, “um apelo urgente
para nossa ação evangelizadora se queremos ser fiéis ao Evangelho e a uma
Igreja em saída”, segundo a religiosa. Ela refletiu sobre as palavras de
Francisco no final da última assembleia da Rede Talitha Kum, onde definiu o tráfico
de pessoas como um mal sistémico e que tem muitas raízes, muitas causas, como
algo programado por um sistema que não coloca as pessoas no centro e sim o
lucro. Essa realidade do tráfico de pessoas é muito presente no Brasil, mas
pouco denunciada, ressalta a Ir. Eurides, daí a importância do trabalho da
comissão, apresentando seus objetivos.
Os passos a seguir
De acordo
com dom Gonzalo Ontiveros, Santa Elena é um lugar de passagem, o migrante chega
ao terminal de ônibus e geralmente estão esperando-o para ir diretamente para
Pacaraima, ou diretamente para Boa Vista, o que significa que o Vicariato de
Caroní tem pouco contato com os migrantes, que em alguns casos vão de táxi de
Caracas ou de outras cidades da Venezuela diretamente para o Brasil. Os poucos
que ficam, ressalta o bispo, vão para algumas comunidades, que são muito
vulneráveis, onde são acompanhados. Nessas comunidades, eles constroem suas
cabanas e começam a viver por um tempo. Essas comunidades são visitadas pelos
agentes pastorais do Vicariato, conhecendo de onde eles vêm, quantos membros
fazem parte da família, uma pastoral de contato direto com eles e de
assistência espiritual, com celebrações da Eucaristia.
O número de
migrantes tem aumentado em 2024, enfatiza o bispo, que fala do processo
eleitoral que realizará eleições em 28 de julho, o que gera expectativas, e
cujo resultado afetará diretamente o processo migratório, algo que deve levar o
Vicariato a pensar, pois poderia provocar uma onda de migração de cinco milhões
de venezuelanos, enfatiza Dom Ontiveros. Nessa dinâmica, o bispo afirma que
"estamos plenamente preparados, junto com a diocese de Roraima, para
trabalhar a partir da Cáritas e da atenção aos migrantes, trabalhando em
equipe, em comunhão, para ver que coisas podemos continuar fazendo para atender
os migrantes e as vítimas do tráfico humano".
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