O Documento de Santarém, que poderia ser considerado o
Vaticano II da Amazônia brasileira, está completando 50 anos, e ao elo desse
acontecimento, o Padre Vanthuy Neto, reflete sobre a figura do presbítero na
Amazônia com um artigo que leva por título: “Presbíteros: Ministério e Vida.Heranças e Proximidades na Igreja da Amazônia gestada em Santarém 1972”.
Um primeiro elemento presenta na vida dos presbíteros da
Amazônia é a coragem missionária, segundo o presbítero da Diocese de Roraima.
Chegados de fora, citando nomes concretos que marcaram a vida da Igreja na
região, diz que “muitos missionários se ‘embrenharam mata adentro’ no desejo do
anunciar e do espalhar a fé cristã”, até o ponto de serem vistos pelo povo como
“nosso irmão”.
São continuadores “da audaciosa profecia do Pe. Vieira no
brado quase solitário”, diante de políticos que querem acabar com a terra e os
direitos dos povos indígenas. Uma defesa desses povos que acompanha a vida da
Igreja da Amazônia nas últimas décadas e que fez com que “dezenas de povos
saíram do silêncio em que foram forçados a se ocultar para sobreviver”, mesmo
tendo que continuar lutando para isso contra o dragão do garimpo “que avança sobre
a terra dos Yanomami, dos Mundurucus”.
Presbíteros que carregaram as duas diretrizes do documento de
Santarém: Encarnação e Evangelização, as duas de Santarém. E junto com isso a ousadia da missão. São
presbíteros que com Santarém assumiram “a encarnação na realidade, o acreditar
na formação dos agentes de pastoral e das pequenas comunidades, a pastoral
indígena e a companhia aos que migraram para cá”, segundo o padre Vanthuy. Um
Documento que marcou a “construção dos planos de pastoral, quase na contramão
da desencarnada religiosidade atual, mas emergidos da escuta comunitária, das
pastorais, dos serviços, das bases, no ensaio de serem minorias eclesiais e
assumidos na ousadia das assembleias pastorais diocesanas e prelatícias”.
Algo que confronta com o “grande vendaval ‘tradicionalista,
neopentecostal, midiático...’ que avança e se impõe de forma normativa sobre
nossas comunidades, pastorais, serviços, presbitérios, bispos...”, segundo o
presbítero da Diocese de Roraima. Presbíteros que carregam as dores da Casa
Comum e das culturas na Amazônia, um grito que levaram até o Sínodo para a Amazônia,
onde o Padre Vanthuy participou da Assembleia Sinodal.
Padres que assumem a luta pela Vida para todos e a Esperança
como caminho para inaugurar um outro mundo. Presbíteros que “experimentam na
Amazônia, como Nicodemos, nascer de novo na água do ventre cuidadoso das
comunidades e no Espírito que habita o coração amoroso dos preferidos de Deus,
os pobres”, querendo assim “seguir Jesus mais de perto”, atitudes que reconhece
presentes em nomes do passado e do presente. Presbíteros que aprenderam línguas
e assumiram culturas, em um dinamismo kenótico, que os levou a uma “vida pobre, frágil e pequena”, determinada pelo ritmo
dos rios.
Assumir isso numa Amazônia cada vez mais neopentecostal e não religiosa, apostando na formação das lideranças, mesmo se deparando com “a fadiga de sempre começar de novo”, lutando assim “contra uma pastoral de manutenção e num enfrentamento desigual com a mídia massiva católica, geradora de católicos muitas vezes clericais e amantes da doutrina apologética”, denuncia o padre Vanthuy. Uma Amazônia onde a Eucaristia é privilegio das cidades, mas que muitas vezes se faz “mística da partilha, do cuidado e da comunhão com a vida”.
O cuidado com a Casa Comum, assumido pelos presbíteros da
Amazônia, leva o padre Vanthuy a afirmar que “ser padre na Amazônia é assumir
seu grito, pois o equilíbrio da terra depende também da saúde da Amazônia”. Junto
com isso destaca a importância da companhia das mulheres na vida do presbítero
na Amazônia, dado que são elas as que sustentam a caminhada das comunidades na
região. Daí o pedido realizado no Sínodo para a Amazônia do diaconato feminino,
um “reconhecimento sacramental, pois, na vida, as mesmas já o são de fato”.
Finalmente chama os presbíteros a se configurar com a pessoa
de Cristo, assumir “o caminho da encarnação, da proximidade aos pobres, aos
outros”, a aprender com o Jesus histórico a ser “pastor e mestre, sensível e cheio
de compaixão para com os sofredores, pequenos e pecadores”, a “se configurar
muito ao Cristo servo, que fugia da visibilidade e poder atrativo, que amava na
gratuidade e partilhava com os seus a intimidade com o Pai e confiava-os à
missão e ao trabalho do Espírito Santo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário