domingo, 25 de fevereiro de 2024

Dom Leonardo: “A quaresma como caminho da fé nos provoca a uma transformação nas nossas relações”


Lembrando que o Evangelho do 1º Domingo da Quaresma pedia conversão: “Convertei-vos e crede no Evangelho!”, o cardeal Leonardo Steiner disse que a conversão no segundo domingo da quaresma se torna transfiguração. Não mais figuras, mas ser ouvinte do Filho amado do Pai que nos transfigura: a transformação que a fé oferece”.

O arcebispo de Manaus disse que “nos encanta e causa admiração o Evangelho ouvido; quase nos espanta a primeira leitura”. Ele destacou que “a transfiguração de Jesus no alto da montanha desperta em nós a admiração pela comunhão de Jesus com o Pai e a plenitude dos tempos no diálogo de Moisés e Elias; a fé que na cruz chega à plenitude. O sacrifício de Isaac comove as nossas entranhas e vemos a solidão abraâmica a subir o monte Moriá na busca de realizar a vontade incompreensível de Deus; transformação pela fé”.


Analisando o texto do Evangelho, Dom Leonardo ressaltou que “antes da subida ao monte e a transfiguração, Jesus anuncia a sua morte violenta e convida os discípulos a renunciar-se a si mesmos, a tomar a cruz e a segui-lo no caminho de amor e de entrega gratuita da vida (cf. Mc 8,31-38). O caminho da cruz torna os passos dos discípulos mais lentos, os corações pesados, o ânimo desalentado. Os sonhos do novo reino, da vida nova, da libertação, somem e são tomados pelo fracasso do seguimento; os sonhos de glória, de honras, de triunfos se esvaem e se perguntam se vale apena seguir um mestre que oferece a cruz como liberdade e libertação”.


Seguindo o texto, onde aparece que “Jesus toma três dos discípulos e sobe a montanha. Era necessário retirar-se, subir e subir, para perceber o mistério transformativo da cruz, do seguimento na cruz”, o cardeal destacou que “conduziu-os para o alto de uma montanha. Montanha lugar do encontro, da revelação, das manifestações de Deus; da transfiguração: as roupas ficaram brilhantes e brancas; Elias e Moisés conversam com Jesus. Não mais palavras, não mais figuras, mas o que há de vir, o ‘por vir’ no mistério da cruz e da ressurreição. Os santos padres leram a transfiguração como a realidade que estava por vir: a dor, o sofrimento, a cruz, a morte”.


No texto aparece que Elias e Moisés estavam a conversar com Jesus. Segundo o presidente do Regional Norte1 da CNBB, “em Elias vemos todos os profetas, todo os enviados e mensageiros de Deus. Elias o recordador das fontes, do amor primeiro. Elias a conversar, isto é, fazer presença a realização das promessas, a indicar a fonte das fontes, o iniciador do novo Israel. Moisés, o libertador, o condutor, o intercessor do povo, o caminhador do deserto rumo a terra da promessa. Ele a conversar, a dizer, a indicar o Reino único e universal, o mandamento novo e eterno; Jesus o libertador o legislador do amor. Moisés e Elias os indicadores e iluminadores de um novo tempo, recordadores da fé do Povo de Deus”.




Igualmente, o arcebispo ressaltou que “ao ver a presença translúcida e iluminativa do Filho do Homem-Filho de Deus, Pedro exclama: ‘Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias’. Tomado de espanto e encanto entra no esquecimento de si, de Tiago e João e é tocado pela presença transfigurada de Jesus e a elucidação da história do Povo no ver Elias e Moisés”.


Dom Leonardo lembrou o comentário de Atanásio do Sinai na homilia da transfiguração, que vê a Transfiguração como lugar “onde no coração tudo é tranquilo, sereno e suave; onde se vê a Cristo, Deus; onde Ele, junto com o Pai”. Uma atitude de Pedro que, segundo o cardeal, também nós diríamos: “verdadeiramente é bom para nós estarmos aqui com Jesus e aqui permanecermos pelos séculos dos séculos!


Seguindo com a análise do texto, que diz “e uma nuvem os encobriu…”, o cardeal disse que “a presença de Deus na nuvem que acompanhou o povo nos anos do deserto ali está e dela nasce a palavra: ‘Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!’ A cruz, a morte o transformará: ouvi-o; a morte, a ressurreição o transfigurará: ouvi-o. Ouvi-o sempre em todos os caminhos. O Filho amado, querido, a pupila dos olhos do Pai: ouvi-o”.


Diante desse chamado, Dom Leonardo afirmou que “talvez, não tenhamos purificado nossos ouvidos para ouvi-lo”. Ele questionou: “Como ouvir o sofredor? Como ouvir o condenado, o supliciado, o açoitado? Como ouvir o coroado de espinhos, o carregante da cruz, o Crucificado? Como ouvir o pendido da cruz do qual escorre sangue e água?” Perguntas que lhe levaram a destacar que é “tão difícil ouvir este Amado Filho que convida a trilhar o caminho da conversão, do diálogo, sem medos e sem receios, na fé. Ouvir a força de uma presença que pode ser escutada; ouvir o vigor de quem passou pela morte e agora vive. Sim escutar o Filho amado do Pai”.


“Essa transformação, a transfiguração, a primeira leitura indica como caminho da fé”, segundo o arcebispo. Ele destacou que “Abraão recebe a visita de Deus que lhe pede: ‘Toma teu filho único, Isaac, a quem tanto amas, dirige-te à terra de Moriá e oferece -o aí em holocausto sobre um monte que eu te indicar’ (Gn 22,2)”. Ao elo do texto, ele disse que “movido pela fé, sobe o monte Moriá para o sacrifício do filho Isaac. Moriá Deus presente! Vemos Abraão colocar-se a caminho, com o coração inquieto, sofrido, ferido, incompreendido, mas não desesperançado. Abraão fica só, solitário. De novo é em tudo e por tudo como o homem quando deixou a sua terra e sua casa pela primeira vez. Abraão tinha abandonado tudo e se tinha posto a caminho da promessa, agora, na quase plenitude de sua vida, pode retornar a viver no mundo em que vivia já antes. Exteriormente, tudo permanece como no passado. Mas, o passado passou, e tudo foi feito novo. Sobe até a presença de Deus para oferecer o filho da velhice, o filho da promessa. Tudo precisou se provado na fé”, inspirado nas palavras de Dietrich Bonhoeffer. Isso porque “caminha como caminha o homem da fé: busca fazer a vontade de Deus!”





Dom Leonardo citou o comentário de Fernandes e Fassini onde reflete sobre a atitude de Abraão, seu olhar de fé, uma fé que “é visão, mas, uma visão enigmática que vê, para além das aparências, a verdade mais verdadeira e real das coisas, pessoas e acontecimentos”. Isso porque “em Abraão, o pai da fé, o vigor principal, o frescor originário, se manifesta como humanidade nova, vindoura, porque vive da fé. E porque deixa-se guiar pela fé vê Deus. Toda a história de Abraão, de sua vocação em sua terra natal, até a prova do monte Moriá, visibiliza como ele se tornou um vidente de Deus. Desse mesmo modo, todo aquele que crê, vê o invisível e, assim, em meio às vicissitudes e peripécias da vida, com suas provações e tentações, permanece inabalável”.

O cardeal Steiner insistiu que “Abraão voltou para casa, mas não era o mesmo”. Ele disse que “somos neste domingo convidados a entrar na sintonia da fé: a cruz, a morte. Em tudo como transfiguração, uma vida que pode desabrochar”. Ele lembrou as palavras de Kierkegaard falando sobre a fé, dizendo que “a quaresma como caminho da fé, nos provoca a uma transformação. Uma transformação nas nossas relações: ‘Vós sois todos irmãos e irmãs’. Jesus anunciou a vida para todos. Todos transformados na vida do Reino, todos transfigurados na cruz e ressurreição. Na cruz e ressurreição todos são irmãos e irmãs. Para Jesus não existem inimigos”, lembrando as palavras do Evangelho de Mateus que nos falam do amor aos inimigos.

O cardeal questionou se somos “Todos irmãos e irmãs, por que essa violência, essa agressão entre nós, nas comunidades, nas famílias, na nossa sociedade? Porque essa imaturidade, essa superficialidade, relacional onde nos agredimos e nos distanciamos por motivos ideológicos, políticos e até religiosos?”. Diante das perguntas, ele disse que “Jesus veio anunciar o Reino novo, o da graça, o da verdade, da justiça e da paz”, se perguntando: “Porque não conseguimos nos escutar, respeitar. Porque quase tudo precisa ser na agressão, na violência?”, respondendo que “o Evangelho nos ensina que a misericórdia, a bondade, o perdão e a compaixão como fundamento das nossas relações. Deus criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade, e os chamou a conviver entre si como irmãos e irmãs”, palavras inspiradas no encontro entre Papa Francisco e Ahmad Al-Tayyeb. Por isso, o cardeal pediu que “despertemos para a beleza e a grandeza da fraternidade. Vamos fortalecer os vínculos da amizade social, para que a paz seja uma realidade entre nós, na sociedade, entre os povos”.

Finalmente, citando as palavras de Paulo aos romanos: “Se Deus é por nós quem será contra nós? Deus que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos daria tudo junto com ele?”, ele disse que “ao vermos hoje Jesus transfigurado e Abraão devolvido à sua casa com o filho da promessa, percebemos ainda mais que o tempo da quaresma nos pede: caminhar na fé. Não nas nossas certezas, mas no saber do não-saber da fé”. Ele pediu, seguindo as palavras do Salmo: “Andarei na presença de Deus junto a ele na terra dos vivos”, que “andemos sempre na presença de Deus que é a terra dos vivos. Talvez tenhamos a graça de sermos também nós os videntes de Deus e por Ele transfigurados. Deus seja louvado e bendito para sempre!”


Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Nenhum comentário:

Postar um comentário